Das manifestações dos
negros, o batuque era a mais comum; era, segundo Rugendas, a dança habitual e
que continha seus rituais próprios. Começava com a reunião de alguns negros,
depois vinha um sinal “a batida cadenciada das mãos” e logo se iniciava a
dança.
Muitas vezes confundido com
o lundu, o batuque era uma dança que tinha tanto de tolerável quanto de
reprovável. O próprio Rugendas chama a atenção para os movimentos do corpo
“demasiado expressivos” onde principalmente “as ancas se agitam”. Os dançarinos
do batuque, normalmente um casal que se agitava esfregando os umbigos um no
outro, foram motivos de reprovação de muitos conservadores brancos da colônia.
O batuque era frequente em
espaços afastados, como nas fazendas menores e nas roças, distante dos olhares
às vezes reprovativos dos brancos. A tolerância era visível, mas as sanções e
as posturas das câmaras municipais do Brasil muitas vezes mencionavam os
batuques como ajuntamentos perniciosos.
Nos momentos em que essas
danças eram praticadas por brancos, pode-se imaginar uma adaptação, como, por
exemplo, modificar ou suprimir a coreografia, deixando simplesmente o ritmo e a
melodia.
A obscenidade não estava na
musicalidade, mas nas alusões espontâneas da sexualidade. As danças e as suas
coreografias eram um atrativo exótico para os estrangeiros.
O Batuque com seu ritmo sincopado é uma
dança de origem africana, do ritual da procriação, foi também severamente
proibida na época colonial pelos padres. Dança muito popular em algumas cidades
do interior de São Paulo, nas festas do Divino Espírito Santo, ou nas festas
juninas.
O batuque é dançado em terreiro ou
praça pública. Uma fileira de homens fica ao lado dos tocadores, as mulheres
ficam a uns 15 metros de distância. Então, começa a dança, começam as
umbigadas. Cada homem, dançando, dá três umbigadas numa mulher. Os músicos
tocam. Um batuqueiro "modista" faz a poesia, os versos, há o solo, em
seguida, o coro é feito por todos que estão batucando.
A música, o canto e a dança,
sempre estiveram e estão muito presentes entre os primeiros habitantes desta
terra. Inclusive eles fabricavam alguns instrumentos musicais, hoje
considerados toscos, que ainda podem ser encontrados em festas folclóricas, portanto
nas celebrações, a experiência musical dos indígenas brasileiros foi apenas
prestada a esta bendita mestiçagem, que chamamos hoje de cultura popular
brasileira.
Como sabemos, o lundu é dança e canto de origem africana, que veio para
o Brasil com os negros de Angola, por duas vias, passando
por Portugal, ou diretamente da Angola para o Brasil. Em Portugal recebeu
polimentos da corte, com o uso dos instrumentos de corda, mas fora proibido por
D. Manuel ao ser “contrário aos bons costumes”. Já a vinda direta da Angola
para o Brasil recuperou o acento jocoso, mordaz e sensual que incomodara a
sociedade lisbonense.
Ritmos e temas como a música
negro/africana marcam presença nítida e permanente em nosso repertório. Nos
três primeiros séculos de colonização, o que existiu foram bem definidas e
isoladas formas musicais. O canto para as danças rituais dos índios e os
batuques dos escravos, a maioria também ritual.
Em outros extremos do
cotidiano, sem se misturarem as cantigas dos europeus colonizadores que tinham
origem nos burgos medievais do século XII a XIV, justamente quando a música
dessacralizou-se, ou escapou das igrejas e da ordem unida e ganhou as rodas
públicas, é que se pode começar a falar em uma música popular brasileira,
quando se mesclou com apetência e liberdade.
Um dos mais antigos
registros de canto popular é do grande poeta satírico: Gregório de Matos
Guerra, que mesmo já velhote tentava seduzir as escravas mais agradáveis, cantando
versos frascários ao som de uma viola de arame, aperfeiçoando o lundu, tão em
voga na Colônia, sendo esse de origem portuguesa ou quimbunda (língua
banta de Angola). Essa e outras danças populares portuguesas
que haviam sido condenadas pela Inquisição e pelos jesuítas conservaram-se com
toda a sua pujança no Brasil, sobretudo na época de Gregório.
O lundu era uma dança
dengosa, cantada e executada com todos os ritmos e voluptuosidades da
coreografia. Entre todo o folclore nacional o lundu é a melhor forma de
manifestação do tropicalismo dos mestiços e a expressão mais viva do
sensualismo das mulatas eróticas e ciosas. Quando os mais modestos, “as classes
perigosas” como eram chamados pelas elites, se divertiam, podia virar até caso de
polícia.
O lundu na sua origem tinha sistemática simples, a qual ainda pode
observar na dança de roda, sua familiaridade. Músicos iniciam o ritmo lundu. As
pessoas que querem dançar aproximam-se, já entrando na dança. Um sinal da viola
é emitido e a primeira dançadora abre espaço no centro da roda que logo se
forma com o grupo.
Forma-se a roda, e a dançadora permanece no centro dançando até convidar
alguém para substituí-la, o convite pode ser uma batida de pé diante da pessoa,
palmas diante da pessoa, uma umbigada ou um toque de ombros à esquerda e em
seguida outro à direita, a dançadora convidada vai para o centro dançar, dança
no centro até escolher quem vai substituí-la. Pode ser uma mulher ou um homem,
portanto as substituições continuam por várias vezes.
Quando está no meio da roda, o dançador faz evoluções inteiramente
relaxado, braços caídos ao longo do corpo, pernas meio fletidas, mantendo um
sapateio em que a planta do pé bate inteiramente no chão, ao ritmo da música. A
predominância dos dançadores é de mulheres. Homens em geral ficam apenas
olhando ao redor, mas ao serem convidados, vão para o centro dançar. Se ao sair
convidam uma dançadora com umbigada, faz-se grande algazarra no grupo.
Não se registra umbigada de homem em homem, mas entre mulheres há
umbigada indistintamente em outra mulher ou em homem. Quando a umbigada passa a
se disfarçar como simples mesura, o lundu ensaia sua entrada nos salões da
sociedade colonial. “Havia mulatos célebres,
aplaudidos nos salões por darem ao lundu um acento libidinoso como ninguém: era
uma feiticeira melodia sibarita, em lânguidos compassos entrecortados, como
quando falta o fôlego, numa embriaguez de sensualidade voluptuosa.” (MARTINS, 1920).
Um dos mais antigos
registros musicais desse tipo de dança encontra-se nas Canções populares brasileiras e melodias indígenas, recolhidas no
Brasil por Martius entre 1817 e 1820. Uma das peças é o “Landum, Brasilianische
Volktanz”, composição na qual um pequeno motivo, construído sobre as harmonias
de tônica e dominante, é executado em forma de variações.
Referências:
ALBIN, Ricardo Cravo. O Livro de Ouro da MPB. 4ª ed. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2004.
MONTEIRO, Maurício. A Construção do Gosto: Música e Sociedade
na Corte do Rio de Janeiro – 1808 - 1821. 1ª ed. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2008.
MUKUNA, Kazadi Wa. Contribuição Bantu na Música Popular
Brasileira. 1ª ed. São Paulo: Global, 1979.
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